Mercado internacional está sedento por erva-mate brasileira
Dados de 2017, revelam que o Paraná colheu 301.813 toneladas de erva-mate por método extrativista, enquanto o Rio Grande do Sul colheu 17.163 toneladas nesse mesmo sistema.
Dados de 2017, revelam que o Paraná colheu 301.813 toneladas de erva-mate por método extrativista, enquanto o Rio Grande do Sul colheu 17.163 toneladas nesse mesmo sistema.
Para quem vive no Sul do país, a erva-mate é tão associada ao chimarrão e ao tererê que é possível nem se dar conta de seus muitos outros usos, além dessas formas tradicionais de consumo.
Popular também como insumo para chás, a Ilex paraguariensis (nome científico da planta) é usada em bebidas energéticas, temperos, cosméticos, alimentos processados e até para preservar o frango que é exportado para o Japão. Entretanto, o potencial produtivo da erva-mate ainda é pouco explorado, com boa parte da colheita realizada pelo sistema extrativista e com baixos níveis de produtividade. Há pouca mecanização na lavoura e até técnicas básicas de cultivo, como adubação e poda, são ignoradas, o que gera frustração nos pesquisadores que enxergam na planta endêmica da Região Sul do Brasil uma forma de impulsionar o desenvolvimento econômico regional."
"Com base em estudos sobre o ciclo produtivo da erva-mate que começaram nos anos 1980, a Embrapa Florestas desenvolveu um manual para orientar os produtores, criando um sistema chamado Erva 20, que agrupa um conjunto de tecnologias para o plantio correto. Entretanto, conforme explica o pesquisador Joel Ferreira Penteado Junior, um dos autores do manual, há uma resistência cultural dos ervateiros em mudar a forma de manejo. “Eles produzem como produziam há 100 anos”, sentencia. E como a erva-mate é bastante resiliente, fica ainda mais difícil mudar os hábitos aprendidos com pais e avós. Atualmente, a média de produtividade dos ervais brasileiros é de 7,5 a 8,5 toneladas por hectare. Com a adoção das práticas e orientações técnicas recomendadas pela Embrapa é possível elevar esse índice para 20 toneladas/ha. O Brasil produz hoje cerca de 900 mil toneladas de erva-mate, segundo o IBGE. O Paraná é maior produtor em volume e o Rio Grande do Sul em áreas de plantio (e onde o setor está mais industrializado); Santa Catarina e o sul do Mato Grosso do Sul também produzem. A erva é cultivada ainda no Paraguai e na Argentina."
"Jesuítas, os primeiros exportadores
A erva-mate faz parte da economia do Brasil desde 1.600, quando os jesuítas decidiram levar a planta que já era consumida pelos índios para fora do país. Penteado Junior conta que somente na década de 1980 o consumo do mate aumentou bastante no país com a mudança do padrão de fabricação, que até então era parecido com o sistema argentino. Entretanto, as plantas originárias do país vizinho acabaram dominando boa parte dos ervais brasileiros e hoje a erva industrializada no Brasil tem o sabor amargo característico da erva argentina. Já o sabor do mate genuinamente brasileiro é mais suave ao paladar."
"O pesquisador Ives Clayton Gomes dos Reis Goulart, coautor do Erva 20, aponta que as culturas em que o Brasil é um grande produtor e exportador, esbanjando tecnologia como soja, milho e algodão são exóticas. Foram importadas já com um pacote tecnológico, ou seja, com a “receita do bolo” a seguir. A partir daí, desenvolveu-se um know-how tecnológico próprio, adaptado às condições do país. Já a erva-mate, como planta nativa, não importou esse conhecimento prévio, o que retardou de certa maneira o desenvolvimento dos sistemas de produção nacionais.
Goulart destaca ainda que existem quatro formas de produção de erva-mate no Brasil. “Tem o sistema que é estritamente extrativo, em que você vai na floresta natural e retira a erva para esse sistema não recomendamos o Erva 20, pois a única interferência do homem é a colheita, e esse sistema tem legislação própria. Existe também o sistema de adensamento de erval nativo, que é o mais comum no Paraná e no qual não há mais uma mata nativa. Nesse caso, o produtor adiciona mais pés de erva à mata. Em outra modalidade, o sistema de erva sombreada, o produtor planta tanto a erva-mate quanto as árvores que vão sombreá-la. E tem ainda o sistema de cultivo a pleno sol, que é uma monocultura”, enumera.
Mercado sedento
Apesar da resistência dos ervateiros em modernizar a produção, há um movimento de mudança no setor. Muitos produtores que estão entrando agora no negócio têm uma mentalidade aberta e estão adotando sistemas de produção mais profissionais e eficazes, com acuidade técnica de manejo e visão de mercado globalizada.
“O pulo do gato é percebermos que o mercado internacional está sedento por erva-mate. Os países estão fazendo muita pesquisa. Hoje tem até frango que o Japão compra de um frigorífico brasileiro que tem de ter obrigatoriamente erva-mate em sua água. Os japoneses desenvolveram a pesquisa porque acreditam que a erva-mate reduz a quantidade de salmonela e permite ao produto ter mais tempo de prateleira. A Embrapa também fez pesquisas com carne de gado, colocando erva-mate na ração do animal, e realmente o resultado foi mais tempo de prateleira e a carne veio mais macia”, afirma Penteado Junior."
Uma aposta no futuro
O produtor Marcio Pizzatto (foto acima) é um exemplo de quem aposta nesse potencial futuro da erva-mate. Ele iniciou os primeiros plantios em 2017 e, apesar de ainda faltar mais de um ano para a primeira colheita, a expectativa é animadora. Seguindo rigorosamente a cartilha da Embrapa, Pizzatto plantou 30 hectares de erva-mate em General Carneiro, região Sul do Paraná; outros 15 hectares devem ser plantados em breve e, num futuro próximo, ele espera somar um erval de 52 hectares no total.
“Apesar de não ter iniciado a produção ainda, é possível notar uma homogeneidade no erval. Com certeza a produtividade será elevada”, diz Pizzatto, que espera obter pelo menos 20 toneladas por hectare, mas a expectativa é alcançar até 30 toneladas/ha. O sistema de produção adotado é de plantio a pleno sol, em uma área onde antes havia pinus. “Estamos deixando árvores nativas para fazer um pouco de sombreamento. Não que seja fundamental para a produção, mas estamos deixando bracatingas a cada 30 metros”, explica.
O investimento, no entanto, foi alto. Algo em torno de R$ 6 mil por hectare, gastos com aluguel de máquinas, análises do solo e aplicação de cálcio para repor o que o pinus extraiu, além de adubação. Pizzatto explica que o maior custo é com a mão de obra, pois há poucas máquinas desenvolvidas para o setor ervateiro e os trabalhadores precisam ser especializados. As mudas também pesam na conta: custam entre R$ 1,20 e R$ 1,30, dependendo do viveiro. O custo, comparado a outros tipos de cultura, pelo método da Embrapa, é até um pouquinho mais caro, porque são muitas etapas que você tem que cumprir. Mas para um produtor familiar, que já tenha um trator e mão de obra da própria família para ajudar, dá para cortar esse gasto pela metade, afirma.
"Na região de General Carneiro, quase 100% da produção local de erva-mate vai para a fabricação de chimarrão, segundo Pizzatto. Mas ele quer ir além, apostando que a matéria-prima tem potencial para um mercado mais sofisticado. A vantagem da erva-mate é que, se você colher ela no campo hoje, você tem mercado na hora para ela. Mas a minha ideia é ter um produto de maior qualidade para vender para a indústria de cosméticos, bebidas energéticas, tentar agregar um pouco de valor, revela. A exportação é outra saída, mas, segundo o produtor, é preciso ter muitas certificações e não é algo para se pensar de imediato.
Para Pizzatto, o mate tem potencial para se transformar no Brasil em algo como o vinho é hoje para o Chile, ou seja, um produto reconhecido pela qualidade. Para isso, é necessário mais investimentos e divulgação do setor. O que precisa é que os produtores não olhem para a erva-mate como o quarto ou quinto produto da fazenda. A gente está tentando mostrar que a propriedade pode sobreviver só da erva, mas precisa ter investimento. O produtor pode ganhar até bem mais do que com outra cultura.